Mulheres protestam no Rio e pedem maior presença do Estado
A tentativa de feminicídio que sofreu em 6 de fevereiro de 2017 ainda provoca uma mistura de sentimentos e lágrimas na agente de educação infantil do município do Rio de Janeiro Evelyn Lucy Alves da Luz, de 44 anos. Os tiros que levou do ex-marido estão marcados nela e na filha, que na época tinha 6 anos e assistiu a tudo.

“Ele desferiu os tiros na frente da criança. Ela presenciou a mãe sendo quase morta, tornando esse crime ainda mais cruel”, contou em entrevista à Agência Brasil.
Evelyn disse que a filha carrega o trauma até hoje. “Infelizmente, ela ainda está muito traumatizada, não fala sobre o assunto. Até hoje, luto para que tenha uma vida saudável e plena, mas é muito difícil tendo vivenciado o que vivenciou”, afirmou.
“Foi à luz do dia, em um sábado de carnaval. Esse homem fez isso na frente de todos, algo que é comum. Eles não têm medo de serem violentos e agressivos”.
Os disparos foram em frente à casa dela, em Vila Isabel, na zona norte do Rio, depois de o ex-marido trazer de volta a filha que tinha ido com ele para um encontro determinado pela Justiça. A menina, que não queria ir, voltou chorando com o pai dez minutos depois. “Ele retornou à minha residência e desferiu três tiros, dois foram no meu abdômen, perdi o baço, um pedaço do fígado e o ovário esquerdo, e o outro foi no rosto”, revelou, acrescentando que ficou 21 dias internada no hospital, sendo 11 no Centro de Terapia Intensiva.
“Carrego essas marcas até hoje. Tanto físicas quanto emocionais. Sei muito bem o que é”, contou em meio às manifestantes que participaram do ato Na Rua por Mulheres Vivas!, no posto 5 da Praia de Copacabana.
“Hoje estou aqui. Poderia ter virado uma estatística, mas estou aqui porque sou realmente uma sobrevivente de tentativa de feminicídio”.
Evelyn pôde contar com uma rede de apoio de mulheres que foi se formando ao seu redor como grupos e coletivos. “Fui recebendo muito amor e afeto, inclusive uma das pessoas de quem recebi esse afeto, logo em seguida, foi a Vanderlea Aguiar, também militante do Movimento Emancipa. Uma das pessoas que foi meu suporte para que eu chegasse até aqui”.
“Só de estar viva, acho que já é uma grande militância porque passei por algo que nenhuma mulher merece passar”.
Evelyn, no entanto, reclama da falta de apoio do Estado. “Recebi apoio de pessoas e não de organizações e nem do governo. Não recebi nenhum tipo de ajuda, nenhum tipo de ligação, não recebi apoio psicológico, financeiro, nada. Tive que me reerguer com meios próprios”, afirmou.
“É um dos meus questionamentos. A mulher que sobrevive a uma violência, seja patrimonial, emocional, ou a uma tentativa de feminicídio, não recebe apoio do governo para se restabelecer”.
O agressor chegou a responder a processo na Justiça e foi preso, mas depois de uma pesquisa na internet, Evelyn se assustou ao saber que ele está solto. “Ele está solto desde 2024 e ninguém me avisou”, contou, acrescentando que esse foi mais um motivo para estar no ato em Copacabana.
“Estou aqui por mim, por todas as outras que se foram e por aquelas que querem ser livres”.
Para Vanderlea Aguiar, 49 anos, uma das pessoas que ajudaram Evelyn, a saída de um relacionamento difícil que enfrentou foi por instinto de sobrevivência. “A gente está cansada de ver as mulheres morrendo simplesmente pelo fato de serem mulheres e porque os homens acham que são donos da nossa vida e do nosso corpo. Pode-se dizer até da nossa alma”, disse à Agência Brasil.
“Apoiar a Evelyn e as mulheres é dizer que a gente está viva, sobrevivendo e, mais do que isso, é dizer chega e que a gente não aguenta mais. Que a gente é dona das nossa vida, sim”.
Adriana Herz Domingues, 31 anos, é uma das coordenadoras estaduais do Coletivo Juntas, presente ao ato. Segundo a psicóloga, os casos de feminicídio, que aumentam a cada dia, são motivos para chamar a atenção do país com a manifestação deste domingo. A falta de investimentos para uma rede de acolhimento e da realização de concursos públicos para esses espaços também estão na lista de reivindicações.
“A gente está lutando por isso, mas em primeiro lugar que os casos de violência não aconteçam. É muito importante ter a Lei Maria da Penha e debates nas escolas sobre a violência contra mulher. Discutir por que o machismo existe e outras questões.
O debate sobre o que é a violência, conforme a psicóloga, é fundamental, porque ainda há mulheres que não identificam, dessa forma, o que sofrem. “Isso envolve esse debate nas escolas, no Sistema Único de Saúde, campanhas do próprio governo e também ter os aparelhos de Estado para acolhimento”. Para Adriana, embora as Casas das Mulheres funcionam em alguns locais, embora tenham sido uma conquista do movimento feminista, ainda são em número insuficiente.
“O atendimento psicológico té importante para a mulher de forma que sinta que não está sozinha, tem um amparo, muitas vezes em grupo para as que passam pela situação se fortalecerem coletivamente”, disse. Ela lembrou que há casos também que por dificuldades financeiras, mulheres não deixam o relacionamento violento.
“[É preciso] a gente garantir emprego pleno, ter concursos públicos para que as mulheres possam ter empregos bons, bolsas para mulheres que estão em situação de violência. São propostas para a gente combater isso”, observou
A professora aposentada Deise Coutinho, 68 anos, levou girassóis que botou ao lado de cruzes pretas espalhadas na pista da orla de Copacabana representando as mortes por feminicídio. Ela representou o Sindicato dos Professores de Escolas Particulares, para reivindicar do governo respostas às mortes de mulheres por feminicídio. “Girassol é uma flor que se levanta, é o lema. Nós nos levantamos para lutar, para acabar com essa matança das mulheres”



