Dia da Consciência Negra no Rio marca incentivo à “economia preta”
No meio da Avenida Presidente Vargas, uma das principais do centro do Rio de Janeiro, o monumento em homenagem ao líder negro Zumbi dos Palmares amanheceu nesta quinta-feira (20) cercado de manifestações populares, como música e dança. O local é um dos pontos mais tradicionais da celebração do Dia da Consciência Negra.

Em meio às atrações e discursos de ativistas e personalidades do movimento negro, um enorme buffet vendia pratos da culinária afro-brasileira. O ponto de venda era uma expressão do que a empreendedora Carol Paixão chama de “economia preta”.
O conceito, também conhecido como black money (em inglês, dinheiro negro), consiste em um movimento socioeconômico de fazer o capital girar dentro da comunidade negra.
“É uma economia que bebe da africanidade”, diz a empreendedora à Agência Brasil.
“A gente está falando de uma economia que visa à população preta, que visa empregar mais pessoas pretas”, completa ela, em meio a pratos da África do Sul e Moçambique, além da feijoada brasileira.
Carol é responsável pelo Império Kush, estabelecimento no centro do Rio. O nome é referência a um antigo império africano. Ela explica que o conceito de black money também se estende à relação com outros empreendimentos.
“Quando a gente fecha parceria de prestação de serviço, a gente também visa que sejam todos pretos”, enfatiza.
De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), pessoas pretas e pardas vivenciam mais o desemprego do que as brancas, além de receberem salários menores e trabalharem mais na informalidade.
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Reparação
À frente do busto gigante de Zumbi, o presidente do Conselho Estadual dos Direitos do Negro (Cedine), Luiz Eduardo Oliveira, o Negrogun, aponta que a presença, ano após ano, no monumento no dia do feriado é um sinal de persistência.
“Nós temos que ter reparação já”, declarou à Agência Brasil, em referência aos danos causados por mais de 300 anos de escravidão negra no país.
O Cedine é uma instância que reúne representantes do governo estadual e ativistas, como Negrogun.
Quilombolas
Zumbi liderou a resistência contra a escravidão em um conjunto de quilombos que existiu por cerca de um século – onde hoje é a cidade alagoana de União dos Palmares. Ele foi morto em 1695.
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Necessidade de reparação é vocabulário presente nas comunidades quilombolas. De acordo com o Censo do IBGE, em 2022, havia no Brasil 1,3 milhão de quilombolas, correspondendo a 0,65% da população. Oito em cada dez vivem com saneamento básico precário.
A presidente da Associação Estadual das Comunidades Quilombolas do Estado do Rio de Janeiro (Acquilerj), Bia Nunes, enfatizou a pressão exercida por descendentes de habitantes dos quilombos.
“As comunidades quilombolas são referência de resistência dentro desse país. São homens e mulheres que vêm, desde a sua geração, da sua ancestralidade, resistindo dentro dos seus territórios, morrendo pelo território, mas sustentando e os protegendo”, disse Bia Nunes à Agência Brasil.
“Se não fosse a população originária e a população quilombola, nós não teríamos a biodiversidade que temos nesse país. É isso que representam os territórios quilombolas no Brasil”, completou a líder que representa 54 comunidades quilombolas fluminenses.
Favelismo
O escritor, filósofo e ativista Gê Coelho vê semelhança entre a resistência dos quilombos, no tempo da escravidão, e as atuais favelas.
“As favelas, na verdade, são uma luta contra a opressão do Estado às pessoas mais pobres, mais humildes, mais periféricas”, afirmou ele, que lançou este ano o livro Favelismo: A revolução que vem das favelas.
Ele contextualiza que o monumento de Zumbi fica a cerca de 600 metros do Morro da Providência, considerada a primeira favela do Brasil, surgida no final do século 19, para abrigar soldados que combateram na Guerra de Canudos (1896-1897), na Bahia.
Gê Coelho considera que atualmente a resistência acontece por meio de “disputas no campo das ideias”. Ele defende que sejam criadas universidades dentro de favelas brasileiras.
“A maioria das pessoas que vão falar sobre nós vão contar uma história que não é a nossa história, que não é a nossa realidade”, critica.
“A gente precisa ter uma universidade, não é contando a história a partir deles, e sim a partir de nós, do nosso conhecimento”, acrescenta.
De acordo com o IBGE, pretos e pardos são 55,5% da população do país, no entanto formam 72,9% dos moradores de favelas.
Luta de todos
No evento, que também teve ação social como campanha de vacinação, o deputado federal Reimont (PT-MG), presidente da Comissão de Direitos Humanos, Minorias e Igualdade Racial da Câmara dos Deputados, defendeu que “a luta do negro não é só do negro”.
“É claro que o negro tem o espaço de fala do racismo que sofre, mas nós, os brancos, que compreendemos que essa terra é de todo mundo, temos que ser solidários na luta e colocarmo-nos à disposição para fazer essa luta, para que a humanidade aconteça”, disse à Agência Brasil.
Convite à marcha
O dia de celebração e cobrança também serviu para a coordenadora do Comitê Estadual da Segunda Marcha Nacional das Mulheres Negra, Rose Cipriano, fazer um convite para a manifestação popular que será realizada, em Brasília, na próxima terça-feira (25).
“A gente sabe que até hoje a população negra sofre os impactos do racismo, as mulheres em especial. A gente sabe dos índices de violência, da pouca representatividade e que hoje, século 21, a gente ainda está chegando pela primeira vez a alguns lugares”, constatou a coordenadora.
“Angela Davis [ativista negra americana] já diz, ‘mulheres negras movimentam a estrutura da sociedade’, é por isso que vamos para a marcha por reparação e bem-viver”, incentiva.
A primeira edição do movimento ocorreu em 2015, também na capital federal. São esperadas 1 milhão de pessoas na próxima semana.
Cortejo Tia Ciata
As ruas que cercam o monumento de Zumbi foram espaço de apresentação do cortejo de Tia Ciata (1854-1924), negra baiana considerada a matriarca do samba.
Milhares de pessoas ─ de baianas carnavalescas a crianças de escolas de samba – formavam a manifestação cultural repleta de referência à cultura afrodescendente e mistura de batuques, como samba, maracatu, afoxé e bateria de escola de samba. O prefeito do Rio, Eduardo Paes, acompanhou a celebração.
Brasil – Angola
O cônsul-geral de Angola no Rio de Janeiro, Mateus de Sá Miranda Neto, deu tom internacional à celebração, lembrando que o mês de novembro também é representativo para Angola, nação africana origem de negros escravizados que vieram para o Brasil.
“Novembro para nós é um mês muito importante. É o mês que resultou a grande luta que tivemos de travar contra o colonialismo, luta que nos conduziu ao 11 de novembro de 1975, a nossa independência”.
Assim como o Brasil, Angola foi colonizada por Portugal.




