Cultura popular pernambucana ocupa MIMO Festival em sua volta a Olinda

Os versos do cordel, a percussão do maracatu e os movimentos frenéticos do frevo levaram a cultura popular de Pernambuco aos palcos principais do MIMO Festival, que foi realizado em Olinda de sexta-feira (12) a domingo (14), após sete anos de temporadas em outras cidades do país e do mundo.
O encerramento do evento coincidiu com o Dia Nacional do Frevo, celebrado em 14 de setembro, em homenagem ao nascimento do jornalista Oswaldo da Silva Almeida. A ele é atribuída a criação do nome “frevo”, em reverência à “fervura” que o ritmo provoca.
O frevo foi reconhecido em 2012 como patrimônio imaterial da humanidade pela Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco).
O Grêmio Musical Henrique Dias, primeira escola profissionalizante de músicos de Olinda sem fins lucrativos, fundada há 71 anos, tocou com sua orquestra no palco principal do MIMO, na Praça do Carmo.
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A apresentação foi comandada pelo maestro Lúcio Henrique Vieira da Silva, que é diretor musical, professor de saxofone e também músico formado pela escola, onde entrou com 10 anos, em 1988, e de onde nunca mais saiu: “Só pretendo sair quando houver meu cortejo, e ao som do frevo”.
“É uma honra poder mostrar a nossa identidade em um festival com essa grandeza. O frevo olindense é diferente do que é tocado em qualquer outro lugar do mundo”, contou Maestro Lúcio, como é conhecido.
“O frevo é forte na época de momo, em janeiro e fevereiro. Mas a ideia da gente é que ele seja forte o ano todo, porque ele é uma música instrumental como qualquer outra.”
A apresentação incluiu clássicos da música popular brasileira, como Festa no Interior e Táxi Lunar, e grandes sucessos que ajudaram a divulgar o ritmo do frevo no país e no mundo, como Fogos sem Fuzil e Vassourinhas.
Para o maestro, apesar de ser amplamente conhecido pelos brasileiros, o repertório do frevo precisa de renovação e de apoio do poder público.
“Aqui na cidade [Olinda], eu posso dizer que, no século passado, houve mais divulgação [do frevo], mais gravações. As rádios faziam gravações nos meses de junho ou maio, e eram divulgadas em janeiro para, no decorrer do ano, estar tocando. Hoje, não existe mais isso. A gente corre com os frevos do século passado nas ruas”, aponta ele.
“Que tenham mais composições novas, que tenham mais lançamentos e artistas novos. É preciso um incentivo cultural do governo, vamos supor, com um concurso para compositores. Isso vai enriquecer a cultura, trazer novos pensamentos, novas ideias.”
Desde 1954, mais de 2 mil alunos já passaram pelo grêmio, onde hoje eles também recebem aulas de disciplinas regulares da grade escolar, como matemática, português e história.
O diretor musical conta que não é difícil atrair jovens que queiram aprender frevo: “Eles são apaixonados. Isso é da cultura da gente mesmo. Eu acho que se o poder público olhasse com bons olhos para nossas ideias, [o frevo] seria muito mais relevante para nossa cultura”.
O Dia Nacional do Frevo também não passou despercebido pelo bandolinista Hamilton de Holanda, que se apresentou em trio com o pianista Salomão Soares e o baterista Thiago Big Rabello. Carioca e filho de pernambucanos, Hamilton de Holanda incluiu o frevo em sua apresentação para “homenagear seus ancestrais”, destacou.
Outro músico que se declarou a Pernambuco foi o cantor e compositor Edu Lobo, que fez o show de abertura do festival, na sexta-feira (12). Lobo também é carioca e filho de pernambucanos e brincou que “nem todo mundo tem essa sorte” ao reconhecer a importância da herança cultural pernambucana que recebeu em casa.
Cordel e poesia
Nascido em uma família de músicos em Arcoverde, no sertão pernambucano, José Paes de Lira Filho, o Lirinha, também dedicou sua passagem pelo MIMO Festival para exaltar a cultura de seu estado e de todo o Nordeste, por meio da declamação de poesias e a teatralidade que marcam o trabalho do grupo Cordel do Fogo Encantado desde a sua fundação.
O encerramento da primeira noite do festival marcou o retorno da formação original do grupo, com voz e poesia de Lirinha acompanhadas por Clayton Barros (violão), Emerson Calado (bateria), Rafa Almeida e Nego Henrique (tambores), no espetáculo Palavras para Colorir o Céu.
No dia seguinte ao show, Lirinha participou de um bate-papo com o público, mediado pela jornalista e pesquisadora Chris Fuscaldo, em que ressaltou a originalidade e a influência indígena na poesia, no cordel, no repente e na forma de declamar poemas que é tradicional na região.
“Por que dizem que é algo que vem do trovadorismo medieval? Por que vem da Península Ibérica? Isso também chegou a outros lugares, mas por que aqui se desenvolveu dessa maneira específica? Hoje, desconfiamos que o grande atravessamento, a grande questão, é uma filosofia muito próxima do perspectivismo [de povos indígenas]”, questionou ele.
Para o compositor, escritor e poeta, o cordel nunca viveu um momento de tanta visibilidade quanto o atual. “E para onde ele foi? Foi para a internet”, complementou Lirinha.
Segundo ele, o conhecimento acadêmico e o entendimento do cordel enquanto literatura estão avançando por parte de uma nova geração de pesquisadores.
“Com a força que a literatura de cordel ganhou, os poetas do repente passaram a dizer que fazem cordel. Tem muita coisa frágil, e é tudo muito recente. São as novas gerações que estão, de fato, estudando isso. Isso está acontecendo agora.”
“Essa literatura é testemunho, é prazer e é denúncia”, concluiu o poeta.
Maracatu na rua
A festa da cultura popular durante o festival não se restringiu aos palcos e ocupou também as ruas. Na tarde de sábado (13), segundo dia do festival, cinco nações de maracatu percorreram as ruas de Olinda e se reuniram diante do palco principal do festival: Maracatu Nação Camaleão, Maracatu Estrela de Olinda, Maracatu Nação Pernambuco, Maracatu Nação Luanda e Maracatu Sol Brilhante.
Reconhecido como patrimônio cultural imaterial do Brasil em dezembro de 2014, o Maracatu Nação é uma manifestação popular e carnavalesca da região metropolitana do Recife, em que um cortejo real desfila pelas ruas, acompanhado de um conjunto musical percussivo.
Composto majoritariamente por negros, esses grupos resgatam as antigas coroações de reis e rainhas do antigo Congo africano. Neste ano, o governo oficializou candidatura junto à Unesco para que a manifestação cultural também seja reconhecida como Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade.
Produtora cultural do Maracatu Nação Camaleão e representante da Associação de Maracatus de Olinda (AMO), Katia Luz conta que a organização se mobilizou para estar presente no retorno do MIMO Festival à Olinda, pela oportunidade de fortalecer a relevância e a visibilidade do maracatu.
“Pra mim, foi um momento estupendo de felicidade”, resumiu.
“As pessoas precisam, o poder público precisa entender que, onde tiver cultura, projetos e festivais, a cultura popular tem que estar presente, não pode ser deixada de lado. Quando disseram ‘o Mimo vai voltar’, eu vi que a gente tinha que estar presente”.
A apresentação fez parte da preparação das nações de maracatu para o Dia da Consciência Negra, em 20 de novembro, quando a AMO pretende fazer uma grande ação com 15 nações de maracatu em Olinda, adiantou Katia Luz.
“Agora que o presidente Lula decretou que é feriado nacional [o Dia da Consciência Negra] e sancionou o Dia Nacional do Maracatu [1° de agosto], a gente não pode deixar de fazer isso. O Maracatu é um bem imaterial, e a gente precisa ter esse entendimento. A gente vai estar sempre na luta”, disse Katia.
Para a idealizadora e diretora artística do MIMO Festival, Lu Araújo, a cultura pernambucana sempre deu contribuições e esteve presente no MIMO, tanto nas escolhas curatoriais quanto na programação musical.
“Talvez faltasse, um pouco mais, trazer para o palco essas tradições, que são fortes, que são valentes, que resistem”, disse a diretora do festival.
Ela avaliou como positivo o retorno do público a essa presença. “O público ama, porque o povo pernambucano é muito orgulhoso dessa cultura. Eu falo que, se eu aprendi a ser orgulhosa de mim, do meu festival, eu aprendi com eles. Eles prestigiam, eles se identificam e acho que eles estão muito felizes também de ver isso acontecer no Mimo, num palco em que eles sempre veem grandes nomes”.
*O repórter viajou para Olinda a convite da organização do MIMO Festival